sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Na caminho di Tcham



NA CAMINHAO DI TCHAN
No ano lectivo de 1975/76, pela alegria da minha madrinha e daqueles que me acompanhavam acabara de fazer o 2.º grau, como ainda muitas pessoas se referiam 4.ª classe, hoje referenciado 4.º ano por ser o quarto ano de escolaridade. Mas para mim não era porque na altura era preciso um ano da pré-primária, onde os meninos vestiam bata ou bibe. Era igual a bata branca do meu professor, mas a mim obrigado a abotoar todos os botões e amarrar o laço que dava uma aparência de vestido. Era só um pequeno comentaria da Nezita ou Mané, meus inseparáveis colegas, para desatar numa grande choradeira até a Escola Central da Igreja frente á praça e o Posto Administrativo onde trabalhava o Chefe do Posto autoridade máxima de toda a freguesia Nossa Senhora de Ajuda. A bata dava um grande jeito nos “óculos” que eu levava no cú. Não gozem que tudo aquilo era produto do Tempo em que vivíamos. Não havia roupa. O costureiro era uma profissão da classe alta porque todos o procuravam. Não se vestia pelos números mas pela medida tirada pelo alfaiate. Eu digo porque vi quando estudava na casa do Sr. Raul . Havia tecidos de todas as cores e texturas. Recebia sempre vesitas de pessoas que iam saber se a costura já estava pronta. Mas agora que acabei o 2.º grau o Sr. Raul é para esquecer. Uma vez por ano talvez por altura da confecção das minhas calças, mas podiam preferir Candinha de Milha, alegando que Raúl tinha muitas encomendas e, fato, que só ele sabia fazer era muito complicado. Havia no meu íntimo duas lutas: Danilo livre da Escola e do Senhor Raul, com mais tempo para brincar. Com respeito dos mais velhos agora que tinha o 2.º grau, pois poucos dos que respeitava tinham conseguido ultrapassar, alegando não possuíam condições e que era mais complicado os conteúdos etc. etc. Atravessaram aqueles anos difíceis da fome, diziam que um grão de milho salvou sete pessoas de morrer da fome, e que o guloso que por último chupou o milho em vez de passar ao colega engoliu e morreu. Havia também dentro de mim aquele espírito de desafio. Continuar a estudar seria uma forma de não ser passado para trás por Mané di Quinha, Napoleão, Ramiro Iabé, Nhónhó di Anrriquim, Pelé, e outras colegas. Afinal eu fui o melhor, nem foi preciso fazer oral. Rosa di Ximento chegou este ano de Bila com muitas novidades. Estudava francês e ela disse que tinha cinco ou seis cadernos e uns tantos professores, cada um com a sua disciplina. As coisas começaram a ferver a minha cabeça porque o perioda da matricula já tinha começado e era preciço BI. Tudo estava mais inclinado para continuar por muitas razões:
Eu só conhecia Mosteiros e vou ter oportunidade de conhecer Bila, ou seja a cidade da minha ilha. Cidade é cidade, com mais novidades e livre das palmatórias porque a Rosa disse que no ciclo não se batiam nos alunos. “je commence” era o livro de francês, que a Rosa me arranjou, porque ela passou para o segundo ano.
Mas a minha madrinha não estava com esses pensamentos, para ela 4.ª classe era o máximo. Eu sabia que não. Havia outros colegas ligeiramente mais velhos que chegaram da Praia: Pele di Angerca, Abner di Bodecu, Monterinho di Manzinha, Zézé di Maria Peletcha, Jusé di Manzinha. Fiquei fascinado com os desenhos de Gredju que estudava no seminário S. José na Praia. Estava ansioso em aprender as técnicas e entrar em contacto com os materiais. Rapazinho di Maria Betu pai de Rosa minha colega e vizinha estava atento as minhas preocupações. Agora não desligava da Rosa, só a perguntar sobre a vida em S. Filipe, preparando artificialmente o meu próximo ano escolar. O pai da Rosa é um homem excepcional, respeitador manso e humilde nunca levantou um dedo contra mim. As nossas casas separadas por uma parede de pedra, não precisava ir á casa do Lucindo, irmão da Rosa, também o meu melhor amigo, chamava ou saltava o quintal numa parte onde era mais baixa e trocavam coisas e até conversas com Ximento, mulher do Rapazinho, mas Ximento não era assim tão mansa como o marido. Aplicava sempre que necessário e falava á minha madrinha quando portava mal. Num desses dias o Rapazinho me perguntou se já estava matriculado e eu disse que não que ainda a Tété não me matriculou.
Olha é melhor aproveitares esses dias de férias e falar com o teu pai porque acho que para eles(A minha madrinha e o meu falso avô) a tua escolaridade acaba aqui.- Disse o Rapazinhu. A conversa com Rapazinhu me deixou preocupado e disse á Tété que queria ir a Chã visitar os meus pais (Nessa altura sabia quem eram os meus pais).
Levantei cedo oito horas tomei pequeno almoço, “café ku kamoca”- Não gostava nada mas é o que havia. Da minha casa em Fonsaco até ponta de Fernão Gomes não se avança nenhum passo que não seja a subir. Cinco minutos já estavam na Madjada onde ainda via a Tété no quintal a ver-me desaparecer. Mais trinta minutos estavam em Cutelo Alto ou Xaguate, na casa do meu padrinho que encontrava em Luxemburgo há uns anos. Jusefa mandou arranjar café com batata-doce. Eram de tamanhos de uma lagartixa aquelas batatinhas farinhenta outros de pele vermelha outros castanhos. O café di cascas de café estava quente que dispensei e arrumei as minhas batatinhas num folhas, depois de ouvir recados para o compadre pus a caminho, cada vez mais íngreme e mas isolado. A partir de Xaguate só encontrava a próxima casa a mil metros de altitude, a casa do Armirico, ele estava sempre nos arribados dos Mosteiros. Lá ele deu-me mais umas batinhas fervidas sem sal e bebi um carman de água do chupadoiro, que ficava ao pé da casa dele. Das calças do Armirico não se via o pano original de tantos remendos e ainda tinhas muitos buracos para além dos dois grandes ”óculos no cú”, pintados com leite de batada. Ele ia subir para o curral de cabras acompanhei-o e deu-me uma caneca de leite, que não bebia há muito tempo, porque Mosteru Baxo não tem cabras. Deu mantenhas para o meu pai que ele bem conhecia e continuei a subir até casa do Estado de Ponta Fernão Gomes, parecia estar por cima da minha cabeça dada a inclinação. Era guarda-florestal o Sr. Avelino de Eufêmia metido na sua farda de caqui azul e um chapéu que parecia mais um polícia. Eram onze horas e estava a mil e quinhentos metros de altitude, a enevoar e o cheiro fresco do nevoeiro subia de Monte Velha onde também existia o Cento dos guardas florestais e ele Avelino comunicava com Bodecu ou Guilherme de Censã por um telefone de fios que dava para comunicar por sua vez a repartição de Agricultura em Igreja vila dos Mosteiros. Ele tinha um rádio receptor do Estado e estava constantemente a ouvir e espalhar notícias a quem passava ali. “Nas costas da América faleceram trezentos pessoas, isto é morreram” explicava ele a Adelino de Chuma que ia para Montinho de Monte Velha. A mulher dele deu-me uma caneca de “lete drumido” tão frio que parecia ser retirado do frigorífico no momento. Estou muito feliz porque já vejo a Chã e agora o caminho é menos cansado. Já não se sobe é só atravessar a Planície. É das coisas mais linda que já vi, Chã das Caldeiras ao longe, com o ar fresco e a humidade que fazia sentir. Mais mantenhas para o Sate, meu pai e agora vou nuns passos rápidos quase a correr. As lagartixas faziam barulho por entre as ervas secas mas também eu tinha os dedos das mãos fechados com “fisca canhota”, estava com medo mas certo que aquelas malditas feiticeiras que vinham em forma de lagartixas não me faziam mal. Passei o Montinho de Moisés, não senti medo porque ainda não tinha aquele curral que quiseram fazer de cemitério. Os caminhos passavam obrigatoriamente pela casa de Nhô Simiano. Eu também gostava de passar ai porque fazia uma grande festa comigo. Scaldada com leite. Scaldada era uma coisa desconhecida por mim feita de camoca (farinha de milho torrado), mais umas maçãs. Quando cheguei à casa da minha avó Chuma e a tia Nica já não tinha fome mas precisava descansar. Já eram catorze horas e as sombras estavam a pintar no Grande Rochedo mesmo em cima da minha cabeça.(cont.)

sábado, 3 de janeiro de 2009

Crianças dos Mosteiros nos anos 70






TEMPOS DE INFÂNCIA
Corria os dias do ano de mil novecentos e setenta e dois, ainda tinha oito anos, andava na Escola Primária n.º 185 de Fonsaco, o meu professor o famoso José de Pina mais conhecido por Djédje Kéké, leccionou por largos anos. Tinha medo do Professor, apesar de ele ser um homem de estatura pequena achava-o com uma voz de general. Onde ele estava, eu estava em posição de alerta, pois se me alcançasse com os olhos em locais impróprios para alunos, o dia seguinte fazia algum comentário que me levava a “sabatina” ou algo para experimentar a minha capacidade de atenção na aula. Apesar de ser um bom aluno, não gostava de entrar por aqueles caminhos porque sempre havia alguma coisa que escapava. Naquele tempo para quem ainda se lembra o Mundo era escuro, pouca gente possuía um receptor de rádio, e muita gente reunia para ouvir a Rádio Clube Português. As Lembranças pela Rádio, ocupava um lugar de destaque. Às seis da tarde era a abertura com fecho às oito da noite. A partir desta hora não se ouvia nada, ou sintonizava rádio estrangeiro. As crianças não tinham por onde escolher. Depois das aulas era jogar a bola, um dos poucos divertimentos para os miúdos. Digo bola, mas bola era artesanal feito por nós, pequenos artistas, com peúgas rotas ou novas subtraídas. Raramente via uma bola de plástico. Armando Memento tinha uma, porque o pai era pensionista e era único filho, cheio de mimos até dos próprios colegas que abeiravam os pertences dele. Tinha muitos brinquedos que a gente não podia ter, e por isso ele tinha muitos amiguinhos desse tipo. Ele não era grande aluno, e era meu colega de carteira, e por isso dava-me “chuingas”, “drops” e eu ajudava a fazer os trabalhos de casa. Até me convidava a casa dele, para ter a certeza dos trabalhos prontos para o dia seguinte. Ele sempre levava dinheiro e ninguém questionava, os outros não ousavam porque nem os pais tinham. Lembro-me do José di Djimi Sandjon de ‘Ntóni Bás, comprava shewing gun só para coleccionar “actor”, um brinde que servia para pagar no jogo. Mas nessa altura esses brindes já tinham mudado para séries de animais, antes eram actores de Hollywood, e por isso ficou assim chamado. Raulinho di Denxo Denga, Lucindo Ximento, Ladi di Keitano, Chibinha Mámá di NhaLila, Quim di Bébé eram mais velhos e tinham “pacas” que faziam inveja, novos por um lado, repetidos por outro, e velhos para pagar . Todos os jogos serviam para transaccionar: madama, trinta e um, sete e meio, porrinha, carambola pion, enfim. Nha dono, ou melhor, o avô da minha madrinha reformado americano era um homem conhecido por todos, e muito respeitado, (tem ajudado meio-Mosteiros a embarcar para o Estrangeiro já que era difícil economizar) não gostava de ver os miúdos a jogar, que jogo é de bandidos que leva um homem por maus caminhos. Todo o jogo era proibido por ele. Não importa se não era neto dele. Mandava qualquer um que agarrasse o prevaricador que depois levava puxões de orelha ou palmatórias no Sinhor Raúl di Denga, este grande alfaiate até fazia fato sem nenhuma diferença com os que vinham de “Merca”, e professor particular, tinha a tarefa de “desimburrar”.
Nha dono não deixou escapar esta oportunidade. Á tarde incluindo domingos e feriados Ka Sinhó Raú talvez mais no intuito de me ocupar os meus tempos livres. Sinhó Raú não era brincadeira. Quando houvesse motivos tanto de aprendizagem ou de brigas ou birras arregalava os olhos e falava baixinho e muito rápido aplicava a varinha de marmelo religiosamente guardada numa bacia com água. Doía lá no fundo. Não muito menos a famosa palmatória que mandou fazer de mogno depois de Matezinho ter gabado de partir quando pôs “cocó di galinha” nas mãos antes de receber palmatória. Por uns dias Matezinho era o nosso herói. Ficamos quase uma semana sem a Palmatória. Na semana seguinte com aquele ar severo chamou Matezinho para provar a nova palmatória este só tinha um buraquito no meio da bolacha. O Raúl era astuto pois só um buraco causava uma dor horrível, parecia que era um cravo a atravessar a palma da mão. Com esta atitude todos deixaram de lá ir, escondiam pelos caminhos até que os pais pergutassem como vai o menino. Descoberto a artimanha sempre era levado para receber o castigo. Preferiram trabalhar na estrada como menor do que ir á escola. O destino estava traçado para aqueles que não gostam de estudar. Eu não podia fugir. Primeiro porque Nhambapu tinha um exercito para me procurar e o que seguia depois da descoberta era insuportável. Segundo, eu tinha medo de finado e da noite. Mas também não tinha razão do Matezinho, ele não tinha cabeça para aquilo e eu ás vezes ouvia da boca do Sinhó Raú muitos elogios. Graças a ele e ao meu medo de apanhar tinha a melhor caligrafia da zona. O professor da Escola oficial me elogiava e os colegas também. Sempre pedia bênção aos mais velhos e fazia os mandados que solicitavam, apesar de não gostar nada que me mandassem. Era salutar que um menino da minha idade soubesse respeitar e obedecer antes que caísse nas malhas do Sinhor Raú, pois havias mais Sinhó Raú por aí. Gustin di Diminga um tipo de cabo chefe não ria nem falava muito, Keitano, Kuito Milha, e mais…
Tinha que evitar colegas insolentes como Tundém di Nhónhó d’Ana. Ele tinha a capacidade de fugir a essas sevícias, porque não ligava ninguém, nem os pais e podia dormir no monte por dois ou três dias. Era difícil não entrar com ele pois ele dava mais de duas brigas por dia. Quase todos os dias brigávamos porque pertencia ao mesmo quilómetro quadrado que eu, e ele queria ser sempre o chefe, e eu não aceitava…. (cont.)

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